
Dados recentes apontam que, enquanto o consumo mundial de vinhos cai, entre os brasileiros, a demanda pela bebida aumenta. A produção também cresce no Brasil.
O tratado de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul abre novas perspetivas para o mercado de vinhos em ambas as regiões. Os portugueses foram os pioneiros na introdução do vinho no Brasil, cultivando as primeiras vinhas na encosta da Serra do Mar, na exuberante floresta tropical do litoral paulista, sob a liderança de Brás Cubas, o primeiro viticultor em terras brasileiras.
No entanto, a plantação inicial não teve sucesso, pois o terroir não era adequado. A viticultura, então, se deslocou para o interior, na região de Taubaté, onde o primeiro vinho brasileiro foi efetivamente produzido. Foi somente no século XIX, com a chegada dos imigrantes italianos, que o cultivo de uvas para a produção de vinho realmente floresceu.
Hoje, diversas vinícolas fundadas entre o século XIX e o início do século XX permanecem ativas no Rio Grande do Sul, que se destaca como o principal território de produção de vinhos tradicionais no Brasil, especialmente no Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. Portanto, embora os portugueses tenham sido os primeiros a tentar cultivar uvas para vinificação, foi com os italianos, dois séculos depois, que a viticultura brasileira começou a se desenvolver de forma significativa.
Nos últimos 20 anos, o Brasil tem investido na educação sobre vinhos, impulsionado por condições financeiras que favoreceram a evolução dos hábitos de consumo. As estratégias de marketing dos países tradicionais na produção de vinho, incluindo Portugal, e a notável melhoria da qualidade dos vinhos brasileiros têm contribuído para esse crescimento.
A Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) aponta uma tendência global de queda no consumo de vinhos. Entretanto, no Brasil, o consumo médio vem aumentando, saindo de 1,8 litro por pessoa, em 2019, para 2,8 litros em 2023. Essa trajetória de crescimento é animadora.
Portugal é líder do ranking em consumo per capita de vinhos. De acordo com a OIV e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cada português consome, em média, 61,68 litros de vinho por ano. O Brasil se posiciona como o 14º maior consumidor de vinhos do mundo, conforme dados da consultoria Wine Intelligence, e é classificado como o 15º maior produtor de vinhos e o 14º maior produtor de uvas globalmente.
Uma pesquisa da consultoria Mirow & Co. revela que, enquanto a produção de vinho no mundo está em declínio, no Brasil, experimenta crescimento. Países como Argentina e Chile, na América do Sul, e França, Espanha e Itália, na Europa, estão reduzindo suas áreas de cultivo, enquanto os vinhedos brasileiros aumentaram em 1,5% pelo terceiro ano consecutivo, totalizando 83 mil hectares. Assim, em termos de expansão da área plantada, o Brasil só é superado por Rússia e Índia.
O volume de produção dos vinhos brasileiros também acompanhou esse crescimento, registrando aumento de 12,1% em relação a 2022, com 3,6 hectolitros engarrafados. Apesar dos indicadores positivos em consumo e produção no Brasil, a OIV confirma que, globalmente, a produção caiu para 237 milhões de hectolitros em 2023, o menor volume desde 1960.
As mudanças climáticas estão afetando os tradicionais terroirs de vinhos de qualidade. O desgaste dos produtores com o processo de replantios e intervenções nas vinhas é gradual e também financeiramente oneroso. Por isso, o potencial acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul pode representar uma alternativa para os países europeus, especialmente no que diz respeito às relações comerciais entre Portugal e Brasil em termos de produção, vinhas e vinhos. Eu enxergo uma possibilidade.
A história compartilhada entre as duas nações é relevante. Atualmente, segundo dados do IVV, o Brasil é o segundo maior mercado de exportação de vinhos portugueses em volume e o quarto em valor. A Associação Vinhos de Portugal tem trabalhado nos últimos 10 anos para educar e conscientizar o público brasileiro sobre a apreciação dos vinhos de Portugal. A Vinhos de Portugal e outras entidades dedicadas à promoção dos vinhos portugueses estão realizando um trabalho admirável no Brasil, irrepreensível.
Tive a oportunidade de participar do evento "Vinhos de Portugal no Brasil" em duas ocasiões, e posso afirmar que foi uma experiência enriquecedora. Foi em uma delas que a minha paixão pelos vinhos portugueses foi consolidada durante o curso que fiz em São Paulo há mais de 10 anos, onde conheci as castas e a diversidade dos vinhos lusitanos.
Eu ansiava por explorar a Touriga Nacional e as vinhas velhas do Douro, longe da predominância de variedades como a Cabernet Sauvignon, que dominavam o mercado brasileiro. Queria vivenciar a autenticidade e a riqueza dos vinhos portugueses. O Brasil cresceu em qualidade de consumo com os vinhos de Portugal.
Hoje, sou uma produtora inserida no desafiador cenário do vinho europeu, e vejo o tratado comercial entre os dois blocos como uma oportunidade promissora na nova ordem mundial dos terroirs. O Brasil tem o potencial de se tornar o principal país importador de vinhos portugueses, uma vez que as barreiras alfandegárias seriam eliminadas, resolvendo um dos principais obstáculos à exportação dos nossos vinhos.
O país também tem a chance de se tornar um terroir inovador, com demarcações e características únicas em suas diversas regiões. Pode se tornar um grande produtor de vinhos de alta qualidade. Encaro essa oportunidade como singular, especialmente em um momento em que os países consolidados no setor enfrentam crises de produção. Além disso, o fator conhecimento deve ser considerado, pois o Brasil pode se beneficiar do know-how vinícola português para somar e potencializar a sua própria indústria frente a demanda do mercado português e europeu.
É hora de as organizações responsáveis pelos vinhos brasileiros promoverem a divulgação em Portugal e na Europa. Embora desafiador, é um objetivo plenamente alcançável. Esta é a chance de derrubar preconceitos históricos sobre a territorialidade e a nacionalidade dos vinhos brasileiros. O tratado entre a União Europeia e o Mercosul é a oportunidade para isso.
Fonte: Público.pt em 14.01.2025
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